segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Um Papa é sempre infalível? Pode ele errar?


Um Papa é sempre infalível? Pode ele errar?
Várias pessoas perplexas e preocupadas me tem perguntado. Nada mais natural. Encontrei uma explicação magistral em um número da Revista Catolicismo de Novembro de 1976, que é muito segura e não deixa margem a dúvidas.
Como a artigo é extenso, publico apenas um resumo, colocando-me à disposição para envia-lo completo a quem o desejar. Os sublinhados e destaques são meus.

A Infalibilidade da Igreja
I - Introdução
Paulo VI lamentou as ambiguidades que surgiram na Igreja, após o Concílio, perturbando a consciência de muitos fiéis e extenuando o vigor da Fé. Podemos ver nessa constatação um efeito da “fumaça de Satanás”, que poluiu os ambientes eclesiásticos, e um dos meios de autodemolição da Igreja, ou seja, de uma destruição por elementos que nEla se encontram instalados.
Para esclarecimentos de nossos leitores sobre a matéria, resumimos aqui um substancioso artigo da revista belga Mysterium Fidei (nº 33 de julho de 1976).
II - A Infalibilidade
Na locução de 18 de setembro de 1968, por ocasião da audiência geral de Castelgandolfo, Paulo VI insistia sobre o cuidado em procurar a informação exata e completa. Tal recomendação aplica-se também às definições da Santa Igreja. É indispensável conhecer todo o alcance do ensinamento do Magistério, dentro, porém, sempre do âmbito delimitado pelo mesmo Magistério.
Semelhante cuidado se impõe também quando se trata da infalibilidade pontifícia. — É exato que o Papa é sempre infalível?
III - O texto da definição
Com efeito, o texto da definição deste dogma de nossa Fé não pede que o objeto do ensinamento seja assunto de Fé ou Costumes. Impõe ainda outras condições. Ei-lo na sua clareza e precisão: “O Romano Pontífice, quando fala ex cathedra, isto é, quando, no desempenho de sua função de Pastor e Doutor de todos os Cristãos, define, em virtude de sua suprema autoridade apostólica, que uma doutrina concernente à Fé ou aos Costumes deve ser aceita por toda a Igreja, goza, graças à assistência divina, a ele prometida na pessoa de São Pedro, daquela infalibilidade da qual quis o Divino Redentor fosse dotada a sua Igreja ao definir uma doutrina sobre a Fé ou os Costumes; assim, tais definições são por si mesmas irreformáveis, e não pelo consentimento da Igreja(1) (destaque nosso).
IV - Magistério extraordinário
Semelhantes atos pontifícios constituem a expressão do seu “Magistério extraordinário” (ou solene), isto é de sua Autoridade docente de Príncipe dos Apóstolos, excepcionalmente afirmada sobre toda a Igreja, dentro das condições de sua estrita competência, com termos de uma precisão canônica, impondo-se à consciência católica e excluindo toda possibilidade de ulterior mudança.
V - O modo de definir
A garantia de autenticidade destes atos solenes não reside no luxo do aparato exterior. Para uma definição, o Papa poderia utilizar igualmente uma Encíclica, uma Radio-mensagem, como um Breve ou uma Constituição Apostólica. Ele permanece livre de escolher o modo de expressão que julgar mais oportuno. (2)
Porquanto, basta — mas é absolutamente necessário que o Papa proceda conforme as condições requeridas, dogmaticamente definidas, para que um ato ex cathedra tenha sua existência objetivamente comprovada como infalível, sem lugar a dúvidas.
“Como o uso constante da Igreja e dos Soberanos Pontífices consagra certas fórmulas, para assinalar sem possibilidade de dúvida, a toda a Cristandade, o julgamento supremo definitivo [...], segue-se que, se o Papa negligência tais fórmulas e não exprime claramente que, apesar desta omissão, entende ele e deseja definir como juiz supremo da Fé, deve-se pensar que não exprimiu seu julgamento como infalível(3) (destaque nosso).
VI - “De si e não pelo consentimento da Igreja”
É preciso evitar o pensamento de que o carisma da infalibilidade é totalmente independente da Igreja. Pessoal embora, e possuindo um valor independente do consentimento da Igreja, não está ele desvinculado da Igreja, uma vez que o Romano Pontífice o possui precisamente enquanto chefe da Igreja e na sua função de doutor e pastor dessa Igreja. Recusando-se a ver no consentimento da Igreja, a fonte da infalibilidade pontifícia, o Concílio do Vaticano, absolutamente não quis dizer que o Papa — aliás, órgão da Tradição — deveria no exercício do seu Magistério infalível prescindir do contato estreito com o sensus Ecclesiae. (4)
VII - Magistério Ordinário
Além do Magistério extraordinário, solene, exerce o Papa um Magistério ordinário.
Sem dúvida, distintos, seria erro grave opor Magistério solene e ordinário, segundo as categorias muito simplistas de infalível e falível, (5) uma vez que, seja qual for a via pela qual nos chega a Doutrina, esta é sempre infalivelmente verdadeira, quando certamente ensinada pela Igreja inteira, ou somente pelo seu Chefe. Contudo, enquanto no Magistério solene a garantia pode nos ser dada pelo julgamento de um só, tomado à parte, no ensinamento ordinário ela só pode provir de uma continuidade e de um conjunto. Fora dos julgamentos solenes, a autoridade das diversas expressões do ensinamento pontifício comporta degraus e matizes. Todos, não obstante, se integram autenticamente nessa Tradição contínua e sempre viva, cujo conteúdo não poderia estar sujeito a erro sem que periclitassem as promessas de Jesus Cristo, e a própria economia da instituição da Igreja. (6)
VIII - O Magistério e a Tradição
Assim, o critério para se avaliar um ensinamento isolado, é relacioná-lo com o ensinamento, continuado através dos séculos, verificado em toda a Igreja.
Continuidade. — Ensina Pio XII: “Desde os tempos mais remotos, encontram-se diversos testemunhos, índices ou vestígios que manifestam a Fé comum da Igreja no decurso dos séculos”. (7) A mesma conclusão emerge do costume habitual dos Papas, pois, percorrendo as Atas dos Pontífices Romanos, pode-se perceber o cuidado que tiveram eles em citar, a propósito de cada problema, as decisões de seus predecessores e de se situar, através de suas múltiplas referências, no conjunto da Tradição.
XIX - Alguns exemplos históricos
Bem examinada a definição da infalibilidade, proclamada no I Concílio do Vaticano, vê-se que o exercício do magistério pessoal infalível, considerando-se seu campo e suas condições, não atinge todos os atos pontifícios, como também se evidencia que “não será preciso crer que a infalibilidade abarca todos os domínios da atividade pontifícia. É isso de tal modo verdadeiro, que os teólogos estudam o caso de um Papa escandaloso, de um Papa herético, de um Papa cismático... Resulta, aliás, que os casos nos quais a infalibilidade pessoal do Papa está engajada são marcadamente raros. Quanto ao Concilio Vaticano II, Paulo VI, formalmente, excluiu-o do magistério infalível. Eis suas palavras: “Dado seu caráter pastoral, o concilio evitou pronunciar, de maneira extraordinária, dogmas dotados de nota da infalibilidade”. (10)
Alguns exemplos históricos ilustram a doutrina exposta. (omitidos por brevidade)
XX - Conclusão
Como se viu, é na medida de sua conformidade com a Tradição católica que transmite o Depósito da Fé, que os atos do Magistério da Igreja podem ter um valor de inerrância, quer se trate do Magistério supremo, solene, quer do Magistério ordinário. Os casos aduzidos mostram bem que, embora Soberano Pontífice, o Papa, não é impecável, nem pode erigir-se em proprietário supremo da Religião. Ele é um administrador, (16) que há de se ater a determinadas normas no exercício de seu mandato. São Paulo as aponta:
— “Guardar o Depósito da Fé” (I Tim. 6,20);
— “Transmitir, antes de tudo, o que recebeu” (1 Cor. 15,3);
— “Edificar e não "destruir” (2 Cor. 10,8);
— “Guardar as Tradições” (2 Tes. 2,14);
— “Manter-se afastado de todo irmão que vive na desordem sem seguir a tradição recebida” (2 Tes. 3,6);
— “Mostrar-se fiel” (1 Cor. 4,1-2).
A razão é que os Bispos e o Papa, sucessores dos Apóstolos e do Príncipe dos Apóstolos, São Pedro, têm uma missão determinada pela constituição divina da Igreja. Pois esta deve conduzir os homens a Deus, a fim de que eles se entreguem ao Criador sem reservas... A Igreja não pode jamais perder de vista esta finalidade estritamente religiosa, sobrenatural (17). E a maneira como a Igreja realiza esta sua finalidade sobrenatural é indicada pela mesma Revelação. Daí a obrigação de seguir a Tradição, segundo a frase de São Paulo aos Gálatas, aplicada aos Bispos por Paulo VI: Se eu ou um anjo do Céu vos evangelizar diversamente do que vos foi evangelizado, que seja anátema (1,8)”. (18)
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NOTAS
1.    Vaticano 1, Const. Pastor Aeternus.
2.    São Pio X, Const. Apost. Promulgandi, de 29 de setembro de 1908.
3.    Gregório XVI, Il trionfo della Santa Sede, Veneza, 1838,
4.    R. Auberi, Va. I, col. Hist. des Conciles, Docum. Nº 12, Paris, 1964, pp. 292-298.
5.    D. Nau, OSB, Le Magistère pontifical ordinaire, lieu teologique, Solesmes, 1956, Club du Livre Civique, 1962,
6.    Ibidem.
7.    Const. Apost. Magnificentissimus, A.A.S. 42. 1950, p. 757.
8.    Vaticano 1, Const. Dogm. Pastor Aeternus, 18 de jutho de 1870,
9.    São Vicente de Lérins, “Commonitorium, 2, 5”, in Kirch, “Enchiridion Fontium Historiae Ecclesiasticae Antique”, 742,
10.  Marquês de la Franquerie, L’infalibilité pon tificale, le Syllabus, la condamnation du Moddernisme et la crise actuelle de l'Église, Chiré-en-Montreuil, 1973, p. 35.
11. Denziguer-Schmetzer, Enchiridion Symbolorum et Definitionum, n° 980.
12. Ludovico Pastor, Istoria dei Papi, Desclé de Brouwer, vol. IV, p. 418.
13. Suma Teológica, 2.2, q. 104, a.5.
14.  Mangenot Vaccant e Michel Amant,   Dictionaire de Theologie Catholique, vol. 14, coluna 1918 e ss.
15.  Christian Order, vol. 16, n° 12, dezembro de 1975. art. "Roberi Grosseteste: Pillar of the Papacy". colunas 722-723.
16. Th. 1, 7-9.
17. Pio XII, Alocução de 6 de março de 1956.

18. Exortação por ocasião do primeira lustro após o encerramento do Concílio.