Um vínculo histórico com o
Brasil e garantia divina do seu futuro glorioso
Fonte: Revista Catolicismo, Nº 772, abril/2015
O rei Dom Manuel providenciou a celebração
solene da Santa Missa no Mosteiro dos Jerônimos (Lisboa), pelo Bispo de Ceuta,
Dom Diogo de Ortiz, após a qual fez benzer uma bandeira com as armas do Reino,
que entregou nas mãos do cavaleiro da Ordem de Cristo, Pedro Álvares
Cabral [quadro abaixo], comandante da expedição com destino às
Índias, para que o acompanhasse. Havia muita gente assistindo à Missa e
participando do grande cerimonial.
Terminado o ato litúrgico, formou-se um
majestoso e longo cortejo, irradiando esplêndido colorido de trajes e de
bandeiras dispostos em ordem hierárquica, o qual se dirigiu ao embarcadouro,
muito próximo do mosteiro, para a partida da expedição. Grande alegria dominava
o ambiente, porque estava prestes a iniciar-se mais um “cristão atrevimento”
para a glória de Deus e do Reino de Portugal.
Quando
o pomposo séquito chegou ao cais junto à nau capitânia, Cabral osculou
reverentemente a mão de seu senhor El-Rei e despediu-se dos demais membros da
corte, parentes e amigos. Subiu no tombadilho da principal caravela de uma
notável esquadra de 13 navios, com um contingente total de 1500 homens.
Imediatamente o nobre cavaleiro de 33
anos se dirigiu à imagem de Nossa Senhora da Esperança que pouco antes lhe
concedia El-Rei — padroeira da expedição e de quem era aliás muito devoto —,
para lhe oscular os pés e implorar proteção e êxito na viagem. Era o dia 9 de
março de 1500. Com lentidão majestosa a imponente esquadra se distancia pela
foz do rio Tejo, enfuna as velas com as cruzes da Ordem de Cristo e toma o seu
rumo em alto mar.
Imagem
na Primeira Missa celebrada no Brasil
Pululam em nossos dias pesquisadores e
historiadores realmente capazes e com reconhecidos dotes científicos, os quais,
contudo, nem sempre consideram relevantes aspectos de ordem espiritual da
História, como se tais fatos carecessem de realidade. Porém, para nós, católicos,
que consideramos a História sob o prisma mais elevado da fé, tais aspectos
constituem pelo contrário o creme da realidade.
Os Descobrimentos foram fruto de uma
graça especialíssima concedida pela Providência — neste caso a Portugal —
sobretudo para expandir a fé. Há abundância de fontes mencionando o culto a
Nossa Senhora da Esperança, intensificado na época dos Descobrimentos. Na
cidade natal de Pedro Álvares Cabral, Belmonte, encontra-se a imagem de Nossa
Senhora da Esperança [foto]. A mesma imagem que, no dia 22 de Abril de
1500, estava no altar da celebração da Primeira Missa nesta Terra de Santa
Cruz.
Promessa
à Terra de Vera Cruz
Esquerdistas de várias gamas procuram
atribuir um sentido primordialmente material aos Descobrimentos. A avidez de
riquezas, sobretudo do ouro, era o que moveria os navegantes a enfrentar riscos
imensos. Portanto uma cobiça, talvez exacerbada, seria o sentido mais profundo
das navegações. Com certeza, no caso dos que não têm fé, tudo se explica pelo
interesse material. Não conhecem eles o verdadeiro paraíso que a fé católica
comunica à alma de quem a tem. Já os fatos acima descritos desmentem em grande
parte esse enfoque materialista.
Deixemos, porém, falar uma testemunha
qualificada da época, Pero Vaz de Caminha, escrivão da armada, sobre a
impregnação do espírito católico que animava os descobridores, em sua carta a
El-Rei:
Pero
Vaz de Caminha lê para o comandante Pedro Álvares Cabral, Frei Henrique de
Coimbra e o mestre João a carta destinada rei D. Manuel I
“Neste mesmo dia, a
horas de véspera, houvemos vista de terra! A saber, primeiramente de um grande
monte, muito alto e redondo; e de outras serras mais baixas ao sul dele; e de
terra chã, com grandes arvoredos; ao qual monte alto o capitão pôs o nome de O
Monte Pascoal e à terra A Terra de Vera Cruz!
[...] “Ao domingo de
Pascoela pela manhã, determinou o Capitão ir ouvir missa e sermão naquele
ilhéu. E mandou a todos os capitães que se arranjassem nos batéis e fossem com
ele. [...].
[...] “Ao sairmos do
batel, disse o Capitão que seria bom irmos em direitura à cruz que estava
encostada a uma árvore, junto ao rio, a fim de ser colocada amanhã,
sexta-feira, e que nos puséssemos todos de joelhos e a beijássemos para eles[indígenas] verem o acatamento que lhe
tínhamos. E assim fizemos. E a esses dez ou doze que lá estavam, acenaram-lhes
que fizessem o mesmo; e logo foram todos beijá-la.
[...] “E hoje que é
sexta-feira, primeiro dia de maio, pela manhã, saímos em terra com nossa
bandeira; e fomos desembarcar acima do rio, contra o sul onde nos pareceu que
seria melhor arvorar a cruz, para melhor ser vista. E ali marcou o Capitão o
sítio onde haviam de fazer a cova para a fincar. E enquanto a iam abrindo, ele
com todos nós outros fomos pela cruz, rio abaixo onde ela estava. E com os
religiosos e sacerdotes que cantavam, à frente, fomos trazendo-a dali, a modo
de procissão. Eram já aí quantidade deles [os indígenas], uns setenta ou oitenta; e quando
nos assim viram chegar, alguns se foram meter debaixo dela, ajudar-nos.
Passamos o rio, ao longo da praia; e fomos colocá-la onde havia de ficar, que
será obra de dois tiros de besta do rio. Andando-se ali nisto, viriam bem cento
cinqüenta, ou mais. Plantada a cruz, com as armas e a divisa de Vossa Alteza,
que primeiro lhe haviam pregado, armaram altar ao pé dela. Ali disse missa o
padre frei Henrique, a qual foi cantada e oficiada por esses já ditos. Ali
estiveram conosco, a ela, perto de cinqüenta ou sessenta deles, assentados
todos de joelho assim como nós. E quando se veio ao Evangelho, que nos erguemos
todos em pé, com as mãos levantadas, eles se levantaram conosco, e alçaram as
mãos, estando assim até se chegar ao fim; e então tornaram-se a assentar, como
nós. E quando levantaram a Deus, que nos pusemos de joelhos, eles se puseram assim
como nós estávamos, com as mãos levantadas, e em tal maneira sossegados que
certifico a Vossa Alteza que nos fez muita devoção.
“Estiveram assim
conosco até acabada a comunhão; e depois da comunhão, comungaram esses
religiosos e sacerdotes; e o Capitão com alguns de nós outros. E alguns
deles [indígenas], por o Sol ser grande,
levantaram-se enquanto estávamos comungando, e outros estiveram e ficaram. Um
deles, homem de cinquenta ou cinquenta e cinco anos, se conservou ali com
aqueles que ficaram. Esse, enquanto assim estávamos, juntava aqueles que ali
tinham ficado, e ainda chamava outros. E andando assim entre eles,
falando-lhes, acenou com o dedo para o altar, e depois mostrou com o dedo para
o céu, como se lhes dissesse alguma coisa de bem; e nós assim o tomamos!
“Acabada a missa,
tirou o padre a vestimenta de cima, e ficou na alva; e assim se subiu, junto ao
altar, em uma cadeira; e ali nos pregou o Evangelho e dos Apóstolos cujo é o
dia, tratando no fim da pregação desse vosso prosseguimento tão santo e virtuoso,
que nos causou mais devoção. Esses que estiveram sempre à pregação estavam
assim como nós olhando para ele. E aquele que digo, chamava alguns, que viessem
ali. Alguns vinham e outros iam-se; e acabada a pregação, trazia Nicolau Coelho
muitas cruzes de estanho com crucifixos, que lhe ficaram ainda da outra vinda.
E houveram por bem que lançassem a cada um sua ao pescoço. Por essa causa se
assentou o padre frei Henrique ao pé da cruz; e ali lançava a sua a todos — um
a um — ao pescoço, atada em um fio, fazendo-lha primeiro beijar e levantar as
mãos. Vinham a isso muitos; e lançavam-nas todas, que seriam obra de quarenta
ou cinquenta. E isto acabado — era já bem uma hora depois do meio dia — viemos
às naus a comer, onde o Capitão trouxe consigo aquele mesmo que fez aos outros
aquele gesto para o altar e para o céu, (e um seu irmão com ele). A aquele fez
muita honra e deu-lhe uma camisa mourisca; e ao outro uma camisa
destoutras.[...]
[...] O melhor fruto
que dela [a terra] se pode tirar
parece-me que será salvar esta gente. E esta deve ser a principal semente que
Vossa Alteza em ela deve lançar. E que não houvesse mais do que ter Vossa
Alteza aqui esta pousada para essa navegação de Calicute bastava. Quanto mais,
disposição para se nela cumprir e fazer o que Vossa Alteza tanto deseja, a
saber, acrescentamento da nossa fé!”.
(Tópicos
da carta de Pero Vaz de Caminha (grafia atualizada) http://www.mc.unicamp.br/1-olimpiada/documentos/documento/3)
Desembarque
de Cabral em Porto Seguro. Óleo sobre tela de Oscar Pereira da Silva (1904).
Acervo do Museu Histórico Nacional (RJ)
A esperança
da salvação do Brasil
A partir desse início magnífico, o
Brasil se tornou com o passar do tempo o maior País católico do mundo, tendo nossos
descobridores realizado o que Nosso Senhor recomendou: “Ide e pregai o
Evangelho a todos os povos. Quem crer e for batizado será salvo. Quem não crer
será condenado”(Mac. 16, 16).
Para nossa imensa tristeza, pratica-se
hoje exatamente o contrário, pois os índios estão sendo levados por uma
neomissiologia progressista a perder a fé católica e a voltar ao paganismo (cfr. Plinio
Corrêa de Oliveira, Tribalismo Indígena, ideal comuno-missionário para
o Brasil do séc. XXI, 1977, São Paulo, Artpress).
Mas não é só isso. O Brasil que outrora
apresentava 97% de sua população constituída de católicos, hoje conserva apenas
57% (“População católica no Brasil cai de 64% para 57%”, conforme
noticia do “Datafolha G1” de 21-7-13). E ainda assim de
católicos dos quais apenas pequena minoria conhece e ama a verdadeira doutrina
da Igreja.
O País atualmente está assediado por
numerosos inimigos de suas raízes católicas, à espreita do hallali,
isto é, daquele momento fatídico em que a caça está prestes a ser abatida.
Prova dessa afirmação são as
comemorações cada vez mais pálidas e sem conteúdo da data do Descobrimento do
Brasil.
Não será pelo acima exposto que os
problemas brasileiros de todo gênero se multiplicam a cada dia? E a sensação
que nos domina não é a de estarmos imergindo cada vez mais num imenso buraco
negro cujo fundo não vemos e não ousamos imaginar?
Mas nós, católicos, habituados às mais
difíceis vicissitudes, jamais admitiremos, com a ajuda de Nossa Senhora, a
hipótese de entregar nossa Pátria a fatores de desagregação como a heterodoxia,
o comunismo ou o ateísmo.
Nesse sentido, é oportuno relembrar
aquelas palavras pronunciadas por Plinio Corrêa de Oliveira no encerramento do
Congresso Eucarístico Nacional (em São Paulo, no ano de 1942): “Contra
os inimigos da Pátria que estremecemos, e de Cristo que adoramos, os católicos
brasileiros saberão mostrar sempre uma invencível resistência. Loucos e
temerários! Mais fácil vos seria arrancar de nosso céu o Cruzeiro do Sul, do
que arrancar a soberania e a Fé a um povo fiel a Cristo.”
Neste mês em que celebramos mais um aniversário do
Descobrimento do Brasil, lembremo-nos da imagem de Nossa Senhora da Esperança
que nos trouxe a fé católica. E voltando-nos súplices para Ela, peçamos-lhe que
livre esta nação da espantosa tempestade que lhe está subtraindo o precioso dom
da fé e a faça retomar o caminho tão bem iniciado em 1500.
É um desafio para os brasileiros que
professam a única Fé verdadeira. Com a alma vincada por uma esperança
inabalável, devem eles encetar agora a travessia dessa imensa crise religiosa,
cultural e material, convictos de que caminham para a vitória!
A IMAGEM
A imagem de Nossa Senhora da Esperança do
navegador foi colocada em uma capela construída especialmente por Cabral para
abrigá-la. Até o século XVIII a capela, deixada sob a guarda dos frades
franciscanos, seria mantida por descendentes do descobridor oficial do Brasil.
Atualmente, a imagem se encontra no altar de São Tiago, na vila de Belmonte, em
Portugal [foto acima]. Foi trazida novamente ao nosso País
durante o Congresso Eucarístico Internacional do Rio de Janeiro, em 1955.
A
imagem clássica portuguesa da Senhora da Esperança foi esculpida em pedra, pesa
90 quilos e representa a Virgem Maria de pé com o menino Jesus sentado em seu
braço esquerdo, segurando com a mão direita o pezinho dele. O Divino Infante
aponta com a mãozinha direita para uma pomba (símbolo do Espírito Santo), que
repousa sobre o braço direito de sua Mãe.
Nos tempos modernos a devoção a Nossa
Senhora da Esperança foi revivida após a aparição da Virgem Maria em Pontmain
(França), nos dias terríveis da invasão prussiana (1870-1871), quando o
inverno, a fome e a guerra se uniram para castigar o povo francês. Foram
inúmeras as graças alcançadas no lugar da aparição e pouco depois se ergueu ali
uma bela basílica, que foi entregue aos cuidados dos padres Oblatos de Maria
Imaculada.” (http://www.prestservi.com.br/diaconoalfredo/titulos_maria/e/esperanca.htm)
______________
Réplica
da imagem da Nossa Senhora da Esperança que veio na caravela Anunciação, de
Pedro Álvares Cabral, quando o Brasil foi descoberto. Esta réplica é venerada
na igreja de Nossa Senhora da Esperança, no Jardim Novo Mundo, na capital
paulista.
“Os fiéis sempre invocavam o nome de Maria com a
esperança de que Ela os ajudasse a resolver seus problemas pessoais. Assim este
título não é novo, pois a Mãe de Deus na liturgia romana tem sido denominada
“esperança dos desesperados”. O mais antigo santuário de Nossa Senhora da
Esperança de que se tem notícia é o da cidade de Mezières, na França,
construído no ano de 930; depois dele, vários outros foram erigidos.
Em
Portugal, este culto desenvolveu-se muito na época das grandes descobertas
marítimas, figurando dentre os seus devotos o comandante Pedro Álvares Cabral,
que possuía uma bela imagem da padroeira em sua residência, levando-a consigo
em sua viagem às Índias.
A imagem foi trazida ao País e foi
exibida nas duas missas do descobrimento, celebradas pelo frei Henrique de
Coimbra. Em documentos preservados, Cabral revelou o desejo de manter um círio
(vela) para iluminar sempre a imagem de Nossa Senhora da Esperança, de sua
propriedade, carregada na viagem por ele capitaneada e que zarpou do Tejo aos 9
de março de 1500, regressando aos 23 de junho de 1501. Comprova-se, portanto,
que o Brasil foi descoberto sob o olhar terno e protetor da Mãe da Esperança.
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