Um Papa é sempre infalível? Pode ele
errar?
Várias pessoas perplexas e preocupadas me
tem perguntado. Nada mais natural. Encontrei uma explicação magistral em um número
da Revista Catolicismo de Novembro de 1976, que é muito segura e não deixa margem
a dúvidas.
Como a artigo é extenso, publico apenas um
resumo, colocando-me à disposição para envia-lo completo a quem o desejar. Os sublinhados e destaques são meus.
A
Infalibilidade da Igreja
I - Introdução
Paulo VI lamentou as ambiguidades que surgiram
na Igreja, após o Concílio, perturbando a consciência de muitos fiéis e
extenuando o vigor da Fé. Podemos ver nessa constatação um efeito da
“fumaça de Satanás”, que poluiu os ambientes eclesiásticos, e um dos meios de
autodemolição da Igreja, ou seja, de uma destruição por elementos que nEla
se encontram instalados.
Para
esclarecimentos de nossos leitores sobre a matéria, resumimos aqui um
substancioso artigo da revista belga Mysterium
Fidei (nº 33 de julho de 1976).
II
- A Infalibilidade
Na locução de 18 de setembro de 1968, por ocasião da
audiência geral de Castelgandolfo, Paulo VI insistia sobre o cuidado em
procurar a informação exata e completa. Tal recomendação aplica-se
também às definições da Santa Igreja. É indispensável conhecer todo o alcance
do ensinamento do Magistério, dentro, porém, sempre do âmbito delimitado pelo
mesmo Magistério.
Semelhante cuidado se impõe também quando se trata da
infalibilidade pontifícia. — É exato que o Papa é sempre infalível?
III
- O texto da definição
Com efeito, o
texto da definição deste dogma de nossa Fé não pede que o objeto do ensinamento
seja assunto de Fé ou Costumes. Impõe ainda outras condições. Ei-lo na sua
clareza e precisão: “O Romano Pontífice,
quando fala ex cathedra, isto é,
quando, no desempenho de sua função de Pastor e Doutor de todos os Cristãos, define, em virtude de sua suprema
autoridade apostólica, que uma doutrina concernente à Fé ou aos Costumes deve
ser aceita por toda a Igreja, goza, graças à assistência divina, a ele prometida
na pessoa de São Pedro, daquela infalibilidade da qual quis o Divino Redentor
fosse dotada a sua Igreja ao definir uma doutrina sobre a Fé ou os Costumes; assim,
tais definições são por si mesmas irreformáveis, e não pelo consentimento da
Igreja”(1) (destaque nosso).
IV
- Magistério extraordinário
Semelhantes atos
pontifícios constituem a expressão do seu “Magistério extraordinário” (ou
solene), isto é de sua Autoridade docente de Príncipe dos Apóstolos, excepcionalmente
afirmada sobre toda a Igreja, dentro das condições de sua estrita competência,
com termos de uma precisão canônica, impondo-se à consciência católica e
excluindo toda possibilidade de ulterior mudança.
V
- O modo de definir
A garantia de
autenticidade destes atos solenes não reside no luxo do aparato exterior. Para
uma definição, o Papa poderia utilizar igualmente uma Encíclica, uma Radio-mensagem,
como um Breve ou uma Constituição Apostólica. Ele permanece livre de escolher o
modo de expressão que julgar mais oportuno. (2)
Porquanto, basta
— mas é absolutamente necessário — que o Papa proceda conforme as
condições requeridas, dogmaticamente definidas, para que um ato ex cathedra tenha sua existência
objetivamente comprovada como infalível, sem lugar a dúvidas.
“Como o uso constante da Igreja e dos Soberanos Pontífices
consagra certas fórmulas, para assinalar sem possibilidade de dúvida, a toda a Cristandade, o julgamento supremo
definitivo [...], segue-se que, se o Papa negligência tais fórmulas e não exprime
claramente que, apesar desta omissão, entende ele e deseja definir como juiz
supremo da Fé, deve-se pensar que não exprimiu seu julgamento como infalível”
(3)
(destaque nosso).
VI
- “De si e não pelo consentimento da Igreja”
É preciso evitar
o pensamento de que o carisma da infalibilidade é totalmente independente da
Igreja. Pessoal embora, e possuindo um valor independente do consentimento da
Igreja, não está ele desvinculado da Igreja, uma vez que o Romano Pontífice o
possui precisamente enquanto chefe da Igreja e na sua função de doutor e pastor
dessa Igreja. Recusando-se a ver no consentimento da Igreja, a fonte da infalibilidade pontifícia,
o Concílio do Vaticano, absolutamente não quis dizer que o Papa — aliás, órgão
da Tradição — deveria no exercício do seu Magistério infalível prescindir do
contato estreito com o sensus Ecclesiae.
(4)
VII
- Magistério Ordinário
Além do
Magistério extraordinário, solene, exerce o Papa um Magistério ordinário.
Sem dúvida,
distintos, seria erro grave opor Magistério solene e ordinário, segundo as
categorias muito simplistas de infalível e falível, (5) uma vez que, seja qual
for a via pela qual nos chega a Doutrina, esta é sempre infalivelmente
verdadeira, quando certamente ensinada pela Igreja inteira, ou somente pelo seu
Chefe. Contudo, enquanto no Magistério solene a garantia pode nos ser dada
pelo julgamento de um só, tomado à parte, no ensinamento ordinário ela só
pode provir de uma continuidade e de um conjunto. Fora dos julgamentos solenes,
a autoridade das diversas expressões do ensinamento pontifício comporta degraus
e matizes. Todos, não obstante, se integram autenticamente nessa Tradição
contínua e sempre viva, cujo conteúdo não poderia estar sujeito a erro sem que
periclitassem as promessas de Jesus Cristo, e a própria economia da instituição
da Igreja. (6)
VIII
- O Magistério e a Tradição
Assim, o
critério para se avaliar um ensinamento isolado, é relacioná-lo com o
ensinamento, continuado através dos séculos, verificado em toda a Igreja.
Continuidade. — Ensina Pio XII: “Desde os tempos mais remotos, encontram-se diversos testemunhos,
índices ou vestígios que manifestam a Fé comum da Igreja no decurso dos
séculos”. (7) A mesma conclusão emerge do costume habitual dos Papas,
pois, percorrendo as Atas dos Pontífices Romanos, pode-se perceber o cuidado
que tiveram eles em citar, a propósito de cada problema, as decisões de seus
predecessores e de se situar, através de suas múltiplas referências, no
conjunto da Tradição.
XIX
- Alguns exemplos históricos
Bem examinada a
definição da infalibilidade, proclamada no I Concílio do Vaticano, vê-se que o
exercício do magistério pessoal infalível, considerando-se seu campo e suas
condições, não atinge todos os atos pontifícios, como também se evidencia que “não será preciso crer que a infalibilidade
abarca todos os domínios da atividade pontifícia”. É isso de tal modo verdadeiro, que os teólogos estudam o caso de
um Papa escandaloso, de um Papa herético, de um Papa cismático... Resulta,
aliás, que os casos nos quais a infalibilidade pessoal do Papa está engajada
são marcadamente raros. Quanto ao
Concilio Vaticano II, Paulo VI, formalmente, excluiu-o do magistério infalível.
Eis suas palavras: “Dado seu caráter pastoral, o concilio evitou pronunciar, de
maneira extraordinária, dogmas dotados de nota da infalibilidade”. (10)
Alguns exemplos
históricos ilustram a doutrina exposta. (omitidos por brevidade)
XX - Conclusão
Como se viu, é
na medida de sua conformidade com a Tradição católica que transmite o Depósito
da Fé, que os atos do Magistério da Igreja podem ter um valor de inerrância,
quer se trate do Magistério supremo, solene, quer do Magistério ordinário.
Os casos aduzidos mostram bem que, embora Soberano Pontífice, o Papa, não é
impecável, nem pode erigir-se em proprietário supremo da Religião. Ele é
um administrador, (16) que há de se ater a determinadas normas no exercício de
seu mandato. São Paulo as aponta:
— “Guardar o Depósito da Fé” (I Tim.
6,20);
— “Transmitir, antes de tudo, o que
recebeu” (1 Cor. 15,3);
— “Edificar e não "destruir” (2
Cor. 10,8);
— “Guardar as Tradições” (2 Tes. 2,14);
— “Manter-se afastado de todo irmão que
vive na desordem sem seguir a tradição recebida” (2 Tes. 3,6);
— “Mostrar-se fiel” (1 Cor. 4,1-2).
A razão é que os
Bispos e o Papa, sucessores dos Apóstolos e do Príncipe dos Apóstolos, São
Pedro, têm uma missão determinada pela constituição divina da Igreja. Pois esta
deve conduzir os homens a Deus, a fim de que eles se entreguem ao Criador sem
reservas... A Igreja não pode jamais perder de vista esta finalidade
estritamente religiosa, sobrenatural (17). E a maneira como a Igreja realiza
esta sua finalidade sobrenatural é indicada pela mesma Revelação. Daí a
obrigação de seguir a Tradição, segundo a frase de São Paulo aos Gálatas,
aplicada aos Bispos por Paulo VI: “Se eu ou um anjo do Céu vos evangelizar
diversamente do que vos foi evangelizado, que seja anátema (1,8)”. (18)
____________________
NOTAS
1. Vaticano 1, Const. Pastor
Aeternus.
2. São Pio X, Const. Apost. Promulgandi, de 29 de setembro de 1908.
3. Gregório XVI, Il
trionfo della Santa Sede, Veneza, 1838,
4.
R. Auberi, Va. I, col. Hist. des Conciles, Docum. Nº 12, Paris, 1964, pp.
292-298.
5.
D. Nau, OSB, Le Magistère pontifical
ordinaire, lieu teologique, Solesmes, 1956, Club du Livre Civique, 1962,
6.
Ibidem.
7.
Const. Apost. Magnificentissimus, A.A.S. 42. 1950, p. 757.
8.
Vaticano 1, Const. Dogm. Pastor
Aeternus, 18 de jutho de 1870,
9. São Vicente de Lérins, “Commonitorium, 2, 5”, in Kirch,
“Enchiridion Fontium Historiae Ecclesiasticae Antique”, 742,
10.
Marquês de la Franquerie, L’infalibilité pon tificale, le Syllabus, la condamnation du Moddernisme et la crise actuelle de l'Église,
Chiré-en-Montreuil, 1973, p. 35.
11. Denziguer-Schmetzer, Enchiridion
Symbolorum et Definitionum, n° 980.
12. Ludovico Pastor, Istoria
dei Papi, Desclé de Brouwer, vol. IV, p. 418.
13. Suma Teológica, 2.2, q. 104, a.5.
14.
Mangenot Vaccant
e Michel Amant, Dictionaire de Theologie Catholique, vol. 14, coluna 1918 e ss.
15.
Christian Order, vol. 16, n° 12, dezembro de 1975. art. "Roberi
Grosseteste: Pillar of the Papacy". colunas 722-723.
16.
Th. 1, 7-9.
17. Pio XII, Alocução de 6 de março de 1956.
18. Exortação por ocasião do primeira lustro após o encerramento
do Concílio.
Um comentário:
Gostaria de ter o artigo na íntegra e analisá-lo com + atenção.
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